Ridicularizado a odiado
"Pocas cosas me han hecho tanta ilusión en los últimos años como que me pidieran escribir sobre fútbol de vez en cuando: un descanso." - Javier Marías
Domingo é dia de almoço em casa da avó. O Carnaval espreita, a cozinha cheira bem e o meu avô desespera por saber o que é o tacho. Ela finge que não o ouve e aproveita para cantarolar – sinal de que a obra é prima. Até aqui tudo normal, um domingo igual aos outros e que bom são os domingos assim, repetitivos.
“Ó Gomes tens botas de ouro nos pés,
Ó Gomes como tu não há igual (…)”.
Canta a minha avó enquanto mexe no tacho. Um refrão da Lena Silva, desconhecido da minha geração, mas para a minha avó um verdadeiro hino. Uma música dedicada a quem representou a alegria suprema do futebol, a arte de colocar a bola dento da baliza – seis vezes melhor marcador do campeonato e vencedor de duas botas de ouro – Fernando Gomes, O Bibota.
“E a do Deco, conheces?” – Lembrou a minha mãe.
“É o número 10, finta com os dois pés (…)”.
Conheci, já tarde, mas o Youtube fez questão de recordar-me o talento de Anderson Luís de Souza. Baixinho, irreverente e com cara de quem não parte um prato, eternizou-se como O Mágico – dois títulos internacionais com o manto azul e branco coroados com o prémio de Melhor Jogador da UEFA em 2004.
“Jogou fintou e marcou de cabeça,
Falcao não há quem não te conheça (…)”
“E esta do João Ricardo Pateiro?” – Recordei.
O número 9 que marca o início do meu portismo. Se com os pés era temível com a cabeça um arqueiro dos tempos modernos. El Tigre, o melhor marcador de sempre da seleção colombiana, figura que a minha mãe conhece tão bem – cismei durante muito tempo que o lugar dele com a Liga Europa nos braços era na parede do meu quarto.
O legado de Jorge Nuno Pinto de Costa é este. 40 anos depois, o clube caminhou de regional a internacional, de pequeno a grande, de perdedor a vitorioso e, acima de tudo, de ridicularizado a odiado. Javier Marías, falecido romancista espanhol, escreveu que o ódio no futebol não se constrói facilmente, são precisos “muchos años de victorias justas e injustas, muchos jugadores desdenhosos e incustetionablemente superiores, muchos agravios y muchas frustaciones de los rivales”.
Ainda assim, não escondo nem esqueço as suas condutas erradas, os meios por vezes ilegais, imorais e até mesmo maléficos para alcançar este patamar. No entanto, não posso ser hipócrita, não posso deixar de ressalvar o respeito e gratidão por um homem que vivia o FC Porto 24h sobre 24h, um homem que fez do seu maior propósito a construção de um futuro glorioso para o clube e para região norte do país.
A minha família sabe disto. Por isso, descanse em paz Presidente dos Presidentes.
Coluna na Edição nº4392 (março de 2025) do Jornal O Concelho de Estarreja